20 de junho de 2012

Segundo Tratamento: Cortes, Cliffhangers, Jumpcuts, e muito mais

F
inalmente você terminou seu livro e escreveu "FIM", como uma gloriosa bandeira indicando sua posse em uma fatia deste terreno pouco explorado: o daqueles que podem ser chamados de escritores, pois realmente terminaram (pelo menos) um livro!
Verdade?
Infelizmente, ainda não.  Segure aí sua bandeira, pois o livro não termina quando você escreve "FIM", o que termina ali é o chamado "primeiro tratamento", "primeiro rascunho" ou "primeira versão". Dê o nome que quiser, mas não se iluda: o trabalho ainda não acabou. Uma das grandes diferenças entre o autor principiante e o profissional é justamente esta: o profissional sabe que precisa agora voltar e incrementar seu texto.
Stephen King, em seu "On Writting", sugere que ao terminar sua obra o autor fique "dois ou três meses, ou até que comece a se interessar por outro projeto" longe do livro, para conseguir um certo distanciamento.  Só então ele poderá voltar e, com menos desapego, cortar tudo o que é desnecessário. Diversos autores sugerem que, do primeiro para o segundo tratamento, o autor corte pelo menos 10% do total escrito, e isso é mais fácil se o autor já se se desapegou do texto.
Mas o segundo tratamento é muito mais que cortar o excesso: é neste ponto que você vai começar a amarrar as pontas soltas; incluir no passado do personagem cenas que justifiquem suas escolhas morais nas partes seguintes da trama; incluir os "tiques" nas ações e diálogos dos personagens para reforçar a personalidade de cada um, e muito mais.
Mais importante, é no segundo tratamento que você deverá incluir (e refinar nos seguintes) aqueles detalhes que tornam sua obra impossível de ser largada.
“Uma história é como um fóssil, que precisa ser desenterrado aos poucos, com cuidado para não ser destruido"
Stephen King. O rei. Ponto final.
As dicas são muitas, desde construção de um ritmo na sequência das cenas (por exemplo: ação-ação-emoção, ação-ação-emoção, ação-ação-emoção) até o uso de diálogos para acelerar a velocidade de leitura e o uso de descrições (contar algo, ao invés de mostrar...) para esconder pistas que você deseja que o leitor só perceba mais tarde.  Mas hoje vou focar em duas técnicas com nomes em inglês: o par cliffhanger / jumpcut.

Cliffhanger, traduzindo ao pé da letra, seria algo como "agarrar-se à beira do abismo". A ideia do cliffhanger é você, após decidir a organização dos seus capítulos, "cortar" as cenas finais do capítulo para deixar sempre o leitor em suspense.  O corte deve acontecer sempre antes da conclusão da ação da cena, ou no máximo antes da decisão do personagem sobre o que fazer a seguir.  Por exemplo, se em uma cena o personagem se envolve em uma briga e ele e o antagonista sacam as armas, você pode até dizer que ambos pressionaram os gatilhos ao mesmo tempo, mas não fale qual bala acertou aonde.  Alternativamente, o corte pode ser no dilema do personagem: ele feriu o antagonista, e agora a polícia está chegando. Se ele for embora sem ajudar, o antagonista pode morrer; se ele ficar pode ser preso.  Antes da decisão, você corta para o próximo capítulo.  Esta técnica de deixar o leitor em suspense funciona muito melhor se você estiver trabalhando com duas tramas paralelas.  Imagine a seguinte sequência de fins de capítulo:
Trama 1: O antagonista mira com sua arma, o protagonista desarmado se prepara para desviar, o antagonista dá o tiro...
Trama 2: O protagonista 2 corre pelas ruas, fugindo da polícia que o persegue injustamente.  Ao fazer uma curva em alta velocidade, percebe que há um grupo de garotos jogando bola no meio da rua, a poucos metros...
Trama 1: O protagonista consegue se desviar do tiro, mas cai ao chão. O antagonista tenta atirar de novo, mas a arma trava. Ele então saca uma faca e a atira em direção ao protagonista caído.
Trama 2: O protagonista 2 consegue desviar dos garotos, mas entra pelo mato em volta da estrada. Consegue desviar de uma árvore, mas quando vê está indo em direção de um abismo. Freia, mas o carro vai escorregando em alta velocidade...
Trama 1: O protagonista consegue rolar e escapar da faca, mas...  (bem, acho você já entendeu...)
Obviamente,o exemplo acima é focado em cenas de ação para simplificar, mas a técnica pode muito bem ser usada para dilemas morais, em uma trama mais psicológica, apenas para dar um exemplo diferente. 
Já o termo jumpcut vem do cinema, e é usado para descrever o "salto" que a trama dá ao retornar, após um cliffhanger. A ideia aqui é que você não precisa, e muitas vezes não deve, retomar a trama no ponto exato de onde ela parou, mas dar um salto.  Por exemplo, se a cena anterior terminou com o protagonista dirigindo em alta velocidade na direção dos garotos que jogavam bola, ao retomar a cena podemos começar com os olhos do protagonista cruzando com os de um dos meninos que vai ser atropelado, e isso levar a um flashback sobre a infância do protagonista, algo que vai dar ao leitor subsídios para melhor entender as escolhas do personagem no presente.  Alternativamente (e aí seria o mais genuíno jumpcut, conforme originalmente definido no cinema), a cena pode simplesmente "pular" para o momento em que o protagonista avança mata adentro com o carro, com os meninos gritando de susto atrás dele, saltando o momento em que o carro desviou deles.

Como falei, há muitas coisas a se fazer no segundo tratamento: framming, reforço do uso dos sentidos nas cenas, in media res, inclusão de subtexto para reforçar emoções...
Nas próximas semanas estou comprometido com alguns assuntos que os leitores pediram para abordar, mas caso lhes interesse posso voltar a este assunto depois - comentem!

Dica de hoje: Meu último romance, O Nome da Águia, está com uma mega-oferta no Submarino!  Corra, antes que a oferta acabe!

Gostou?  este post!

8 comentários:

Anônimo disse...

Estou escrevendo o meu primeiro livro, e tive a ideia de usar um flashback antes mesmo de saber que era esse nome que se dava a este efeito, o problema é que estou com medo de usar de forma errada e deixar o leitor confuso, existe alguma tecnica ou regra de fazer corretamente? Obrigada Natalia

Nilvha Cavichioni disse...

Essa é a primeira vez que venho aqui em seu blogger . Achei muito interessante a pode crer que voltarei sempre. Grande abraço. Parabéns!!

Alexandre Lobão disse...

Oi Natalia,

Existem sim algumas regras para uso do flashback, tanto quanto ao momento "certo" de usar (idealmente, para 'quebrar' um pouco uma sequência de cenas de ação, de forma a dar uma pausa para o leitor respirar) quanto à forma (por exemplo, o ideal é que haja algo no presente que leve à recordação, como um cheiro ou a visão de alguma coisa, e que - usando a técnica de "framing" - o retorno ao tempo presente seja usando uma referência semelhante)e o conteúdo (só faz sentido colocar lembranças de coisas que efetivamente serão úteis na sua trama, para justificar determinadas ações do personagem). Vou anotar aqui para detalhar estes pontos em um futuro post, ok?
[]s!

Alexandre Lobão disse...

Oi Nilvha,
Obrigado pelo incentivo, e se quiser saber algo sobre algum ponto específico, é só perguntar! :)

[]s!

Fátima Kneipp disse...

Gostei muito desse tema, espero que você publique mais dicas a respeito.

Alexandre Lobão disse...

Oi Fátima,
Estou saindo de férias para terminar um livro que me foi encomendado, e que preciso entregar até fins de agosto; mas na volta devo falar mais sobre framing e flashbacks. Se tiver mais algumas sugestão, é só falar!
[]s

Peu disse...

Olá Alexandre, se for possível, explique mais sobre "framing".
Sua postage, como sempre, esta maravilhosa.
Obrigado!

Alexandre Lobão disse...

Oi José Carlos,
Obrigado pela força! :)
"Framing", em português, seria "emoldurar". A ideia desta técnica é "emoldurar" parte do texto (uma cena, um capítulo, um flashback, ou mesmo todo o livro) com algo que dê uma noção de unidade ao leitor, que dê a impressão ao fim que você está de alguma forma retornando ao início e "fechando um ciclo".
Ficou claro, ou será que vale a pena um post sobre o assunto?
[]s!